A relatora considerou a Uber mera plataforma digital disponibilizada para serviço de transporte particular de passageiros.
Integrantes da Décima Turma do TRT mineiro mantiveram sentença que não reconheceu a relação de emprego pretendida por um motorista com a empresa Uber. Por unanimidade de seus membros, a Turma acolheu o voto da relatora, desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, e negou os pedidos apresentados na ação. Ficou entendido que ele desempenhava as atividades com autonomia, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego, notadamente a subordinação jurídica.
Entenda o caso – O autor atuou como motorista cadastrado no aplicativo Uber por cerca de cinco meses. Disse que prestava serviços com a presença dos pressupostos fáticos do artigo 3º da CLT (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação), pretendendo a reforma da sentença. Sustentou que a “subordinação estrutural” que existiu na relação de trabalho é suficiente para o reconhecimento do vínculo de emprego.
Em defesa, a Uber negou a existência da relação de emprego, argumentando que a relação ocorrida com o autor foi meramente comercial, tendo em vista que se dedica à prestação de serviços de intermediação digital, serviços esses contratados pelo reclamante para a utilização do aplicativo de celular, segundo os termos e condições ajustados.
Confissão – O motorista não compareceu à audiência em que deveria prestar depoimento pessoal e o juiz lhe aplicou a pena de confissão quanto aos aspectos fáticos discutidos no processo. O resultando disso é a presunção de veracidade dos fatos afirmados em defesa pela Uber. (artigo 385, parágrafo 1º, do CPC/2015 e Súmula 74 do TST). “Portanto, a presunção que daí decorre é de que o autor desempenhava seu trabalho com autonomia, pois tinha liberdade de estabelecer os dias e horários de trabalho, não possuía superiores hierárquicos, não se sujeitava a poder diretivo e fiscalizatório do reclamado, além de ser diretamente remunerado pelos usuários dos serviços que prestava”, destacou a relatora em seu voto.
Parceria – Contudo, tendo em vista que a confissão deve ser analisada em conjunto com as demais provas produzidas (item II da Súmula 74 do TST), os documentos apresentados pelo autor também foram considerados para a apuração da realidade de trabalho. Mas, de acordo com a relatora, esses documentos não afastaram os efeitos da confissão, porque não revelaram a presença dos pressupostos da relação de emprego na prestação de serviços do autor. “Os documentos juntados com a inicial não se prestam à comprovação de que o autor seria remunerado pelo Uber, que funciona como mera plataforma digital disponibilizada para serviço de transporte particular de passageiros, do qual se utiliza o autor mediante pagamento de um percentual sobre o valor arrecadado dos serviços prestados, o que mais se assemelha a uma parceria”, pontuou a desembargadora.
Subordinação estrutural inexistente – Também foi afastada a subordinação estrutural entre o autor e a empresa Uber. Como constou da decisão, os serviços de transporte de passageiros prestados pelo autor não estão sequer relacionados com a atividade-fim da Uber, a qual se trata de empresa de tecnologia que disponibiliza no mercado aplicativo que conecta provedores e usuários de serviço de transporte privado. Nas palavras da relatora, a Uber, “a rigor, comercializa apenas informações. Aliás, como se sabe, o motorista se utiliza do aplicativo de tecnologia digital disponibilizado no mercado pela empresa ré, que nessas condições atua como arregimentadora de clientes, organizando os serviços e procedendo ao controle dos pagamentos, cobrando por tais serviços de administração e captação, inexiste relação de emprego, razão pela qual há de ser mantida a improcedência do pedido”, frisou Oliveira Pires.
Ausência de sujeição ao poder disciplinar – Conforme pontuado pela desembargadora, na relação de emprego, a participação integrativa do trabalhador no processo produtivo se desenvolve sob diretivas do empregador, sendo imprescindível a sujeição ao poder disciplinar, “o que definitivamente não restou comprovado nos autos.”, realçou. E concluiu: “É de se notar, ainda, que os riscos do negócio são suportados exclusivamente pelo motorista, correndo por sua conta os gastos com combustível, manutenção do veículo, além daqueles inerentes à atividade realizada nas vias públicas, o que evidencia a ausência de alteridade do reclamado, que não se colocou na posição de mantenedor econômico da atividade explorada pelo reclamante”.
Decisão anterior da Turma no mesmo sentido – Por fim, a julgadora lembrou que a Turma já se manifestou a respeito do trabalho autônomo exercido pelo motorista que se utiliza do aplicativo do Uber, inclusive em decisão recente (PJe: 0010557-10.2019.5.03.0022 (ROPS); Disponibilização: 05/09/2019; Órgão Julgador: Décima Turma; Relatora: Taísa Maria M. de Lima).
(0010627-31.2017.5.03.0108)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 19.02.2020