Tag: MPT

Covid-19 gerou 4,2 mil inquéritos civis trabalhistas em 100 dias, contabiliza MPT

Falta de EPIs, dispensa em massa e trabalhadores atuando apesar dos contratos suspensos estão entre as denúncias

Cerca de quatro inquéritos civis relacionados à Covid-19 no ambiente de trabalho foram abertos por dia pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em todo o país no período entre 1º de março e 8 de junho de 2020. Segundo procuradores do trabalho ouvidos pelo JOTA, o número pode aumentar com a reabertura gradual de atividades consideradas não essenciais, como o varejo.

Entre os assuntos mais recorrentes estão a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para os trabalhadores se prevenirem contra a Covid-19 no ambiente de trabalho, a ausência de testagem e de distanciamento mínimo entre os trabalhadores nas empresas, a dispensa em massa e os descumprimentos à Medida Provisória 936/2020, como, por exemplo, a suspensão do contrato de trabalho para empregados que continuam trabalhando.

Hospitais, frigoríficos e presídios

Ao todo foram 4,2 mil inquéritos, muitos originados das mais de 20 mil denúncias de trabalhadores que chegaram ao órgão. Os procuradores explicam que o número de denúncias é bem maior do que os inquéritos porque há denúncias repetidas sobre a mesma situação, e algumas não têm elementos suficientes para a abertura de inquérito civil. O segmento hospitalar, os presídios e os frigoríficos são apontados pelos procuradores como os locais que mais inspiram preocupação em relação às saúde do trabalhador e a Covid-19.

A partir das denúncias e dos inquéritos foram abertas mais de 140 ações civis públicas, assinados 35 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), realizados 271 procedimentos de mediação e expedidas mais de 10 mil recomendações. Um exemplo foi o TAC assinado entre o MPT em Santa Catarina e a Bugio Agropecuária Ltda. Entre as recomendações estão a implementação de testagem, o home office para grupos de risco e a abstenção dos abates extras. O descumprimento injustificado das cláusulas pactuadas enseja multa mensal de R$ 15 mil por cláusula descumprida, limitado ao valor de R$ 500 mil.

“[O MPT] protege o trabalhador, mas é óbvio que a não vamos zelar por uma medida que termine com os empregos. Temos procurado sempre uma solução consensual. Os termos de ajuste de conduta têm sido o método mais eficaz para dar cabo às denúncias que vêm chegando no MPT. Nós só estamos judicializando quando necessário”, analisa Márcio Amazonas, procurador do trabalho e secretário de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral do Trabalho.

Empresas também foram interditadas para assegurar a saúde dos trabalhadores, como mineradoras em Minas Gerais e frigoríficos no sul do Brasil. O MPT de Minas Gerais, por exemplo, conseguiu manter a interdição, no último dia 5 de junho, no complexo das Minas da Conceição, Cauê e Periquito da mineradora Vale em Itabira, até que seja proferida a sentença de mérito.

Segundo o MPT, a mineradora seguiu funcionando mesmo com alto índice de empregados contaminados e com fragilidades nos procedimentos de proteção contra a doença, como aglomerações dos trabalhadores nas minas, nos transportes coletivos e durante a troca de turno.

“Assim, evidenciado fica que as falhas identificadas vêm contribuindo para a ocorrência e manutenção do surto do novo coronavírus que se instalou no estabelecimento, comprovando, de forma cabal, como a empresa perdeu o controle da cadeia de transmissão, não havendo mais possibilidade de intervenções parciais”, escreveu o desembargador Marco Túlio Machado Santos em sua decisão para manter a interdição. A multa pelo não cumprimento é de R$ 500 mil.

Em nota publicada em seu site, a Vale informou que vai cumprir a decisão judicial. “A Vale informa, ainda, que tem consciência de sua responsabilidade socioeconômica e, desde o início da pandemia, tem buscado meios para contribuir com a sociedade brasileira na luta contra o vírus, protegendo seus empregados e as comunidades no entorno de suas operações”.

O frigorífico da JBS/Seara na cidade de Ipumirim, em Santa Catarina, chegou a ser interditado no último dia 18 de maio com denúncia de inexistência ou insuficiência das medidas de controle de disseminação da Covid-19 na planta industrial. Durante um webinar promovido pelo MPT, a vice-procuradora chefe em Criciúma (SC) Ana Roberta Tenorio Lins Haag afirmou que não havia o distanciamento necessário e pelo menos um trabalhador infectado com exame positivo da Covid-19 continuava trabalhando na fábrica da JBS, fatos que levaram à interdição.

A unidade voltou a funcionar no último dia 30 por meio de uma liminar concedida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a JBS informou que as atividades estão normalizadas e acrescentou:

“A JBS tem o propósito inabalável de garantir a saúde e segurança de seus colaboradores. Com esse objetivo, desde o início da pandemia da Covid-19 no país, a empresa adota um rigoroso protocolo de controle e prevenção da doença em suas unidades. Os procedimentos foram definidos de acordo com os órgãos de saúde e a consultoria de médicos especializados, como o Dr. Adauto Castelo Filho, e do Hospital Albert Einstein, referência médica no país e que tem apoiado a empresa na construção das medidas implementadas em suas unidades, escritórios e demais instalações”

Acordos judiciais

Acordos judiciais também foram firmados, como ocorreu entre o MPT do Rio de Janeiro e a prefeitura da cidade em relação a hospitais municipais. A procuradora do trabalho Isabela Maul Miranda de Mendonça explica que os profissionais dos hospitais municipais de urgência e emergência do Rio de Janeiro estavam trabalhando em péssimas condições de trabalho, por isso, um acordo judicial foi feito para garantir que os trabalhadores tivessem acesso a EPIs e testagem. Além disso, o acordo exige o acondicionamento adequado de corpos, como refrigeração, para evitar a propagação do vírus.

“Os hospitais no Rio são uma mistura e têm uma gama de tipos de contratos. Alguns hospitais públicos são administrados por OS [Organização Social] e você tem de tudo, servidores concursados, outros CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], e os terceirizados de limpeza, conservação, técnicos de raio-X. Conseguimos na Justiça do trabalho do Rio liminares muito boas para todos os trabalhadores, todos foram objeto da tutela. Isso fez com que a prefeitura se aproximasse e firmamos o acordo”, explica Isabela Maul.

O Rio de Janeiro é a regional do MPT com a maior quantidade de denúncias e inquéritos civis abertos.

Mudanças

Os procuradores destacam que, ao longo dos 100 dias de atuação, as demandas relacionadas à Covid-19 foram se modificando. Nos primeiros dias, a questão da falta de EPI era a mais eminente, principalmente em setores considerados essenciais e que não tiveram as atividades paralisadas, como hospitais e supermercados. “A carência de EPIs foi uma coisa que mudou. No começo alguns lugares tiveram dificuldade para conseguirem EPIs, e depois foi acontecendo uma acomodação. Com isso, faltou máscara N95, faltou máscara normal, álcool em gel e luvas até em ambiente hospitalar”, explica o procurador Márcio Amazonas.

Depois, as dúvidas quanto aos acordos da redução e suspensão temporária do contrato de trabalho trazidos pela MP 936/2020 começaram a aparecer. A primeira delas era relativa à necessidade ou não de acordos coletivos ou se valeriam os acordos individuais. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu sobre a possibilidade do acordo individual, sem a necessidade da intermediação de um sindicato.

Atualmente as dispensas em massa, as indenizações trabalhistas após a demissão e o não cumprimento da MP 936/2020 estão entre os assuntos sobre os quais vêm crescendo as denúncias e os inquéritos civis. “Temos recebido denúncias de trabalhadores que estão com contrato suspenso, recebendo o auxílio do governo e, mesmo assim, continuam trabalhando”, exemplifica a procuradora Isabela Maul.

A procuradora lembra ainda de redes como a churrascaria Fogo de Chão, que demitiu os trabalhadores e deixou de pagar o aviso prévio indenizado que, na visão da empresa, deveria ser pago pelos governos locais que tomaram medidas restringindo o funcionamento de serviços e comércios, como restaurantes. “Fica uma ideia ruim de que, em um cenário como esse, os direitos trabalhistas não existem mais. Agora estamos buscando medidas reparatórias. As verbas foram quitadas, mas a gente quer deixar o exemplo de que as empresas não tentem fazer isso porque não vai dar certo”, afirma.

“O caminho é a mediação de conflitos. A empresa pode procurar o MPT, buscar uma mediação. Vem a empresa, a gente convida os sindicatos para pensarmos juntos nas soluções”, complementa a procuradora.

Fonte: JOTA, por Flávia Maia, 17.06.202

Volta ao trabalho terá de seguir um plano de segurança, diz MPT

Para Ministério Público do Trabalho, além das exigências sanitárias, empresas devem ter planejamento de risco

BRASÍLIA – A volta ao trabalho de uma parcela maior das atividades econômicas só poderá ser feita com planejamento para a segurança dos trabalhadores, alerta o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT)Alberto Bastos Balazeiro

Assim como as empresas que mantiveram o funcionamento na pandemia precisaram traçar planos de contingência, o órgão cobrará dos empregadores planos de retorno na retomada do trabalho. “Tenho uma convicção. Ambiente de trabalho não se lida com improviso. Independentemente das determinações das autoridades sanitárias de cada Estado, as empresas devem apresentar planejamento de riscos. Estamos fazendo levantamento por setor sobre experiências internacionais. Vamos fazer notas que orientem sobre a continuidade da utilização de equipamentos de proteção”, afirmou Balazeiro ao Estadão/Broadcast.

O órgão de fiscalização dividirá as diretrizes para o retorno ao trabalho em três conjuntos. O primeiro trará orientações gerais que devem servir para a maioria das atividades, seguindo metodologias que foram usadas em outros países que já começam a tentar voltar à normalidade. O segundo conjunto de diretrizes estará relacionado com o estágio da pandemia em cada região do País. Por fim, haverá determinações específicas para alguns setores cujo trabalho tem características que exigem cuidados maiores.

“Para quase todas as pequenas e médias empresas será suficiente um plano que abarque as diretrizes gerais. As atividades de comércio e serviços em geral não têm tanta especificidade. Mas outros setores cuja atividade acarreta concentração de trabalhadores ou de público precisarão seguir diretrizes específicas”, detalha Balazeiro.

Da mesma forma, as exigências do MPT são distintas para empresas localizadas em cidades com maior ou menor quantidade de casos e transmissão comunitária de covid-19. “Não se pode falar em adoecimento generalizado e retorno generalizado. O retorno também tem de ser gradual e olhando realidades locais.”

Balazeiro promete ainda que a fiscalização do órgão não se limitará ao retorno inicial das atividades econômicas. Enquanto o País não estiver livre da pandemia – seja pela criação e distribuição de uma vacina, seja pela chamada imunidade de rebanho (contaminação gradual, mas ampla da população)–, o MPT buscará garantir a segurança dos trabalhadores. “Se um empregado ficar doente, o empregador terá de afastar quem também teve contato com esse trabalhador.”

Desde o início da atual crise, o MPT tem agido ativamente na negociação de acordos em diversas categorias, bem como tem fiscalizado o cumprimento de medidas de redução de jornada e salário ou suspensão de contrato, que já atingiram quase 10 milhões de trabalhadores. 

Fonte: Estadão, por Eduardo Rodrigues, 09.06.2020

NOTA TÉCNICA CONJUNTA 08/2020 PGT/COORDIGUALDADE/CONALIS

Nota Técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho na promoção de medidas de prevenção e ao enfrentamento da violência e assédio nas relações de trabalho diante de medidas governamentais para a contenção da pandemia da doença infecciosa COVID 19

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, pelo Procurador Geral do Trabalho in fine assinado, a COORDIGUALDADECoordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, instituída pela Portaria 273/2002, e a CONALIS – Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical, instituída pela Portaria 211/2009, com fundamento na Constituição da República, artigos 1º, III, 5º, I e X,  7º, caput, IV, VI, VII, IX, XXII, XXIII, XXV, XXX, XXXI, XXXII, parágrafo único,  127, 170, caput, e 196, na Lei Complementar n. 75/93, artigos 5º, III, alínea “e”, 6º, XX, 10, 83, V, e 84, caput, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto n. 6949/2009), artigos 8.1 e 11, na Lei 13.146/2015 (Lei n. Brasileira de Inclusão), artigo 10,  na Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), artigo 2º, na Lei n. 9029/95, no Decreto-lei n. 5.452/43  (Consolidação das Leis do Trabalho), artigos 389, I, 391 e 394-A, no Decreto n. 9.571/2018, artigos 6º e 7º, na Lei n 11e na Convenção n. 190 da OIT, em razão da declaração de pandemia do novo coronavírus (SARS-COV-2) pela Organização Mundial da Saúde, ocorrida em 11 de março de 2020, bem como das medidas de contenção da doença anunciadas até o momento pelos órgãos governamentais, expedem a presente Nota Técnica, com o objetivo de indicar as diretrizes a serem observadas por empresas, pessoas físicas empregadoras, sindicatos e órgãos da Administração Pública, nas relações de trabalho, a fim de garantir a proteção de trabalhadoras e trabalhadores contra violência e assédio no trabalho.   

Diante da declaração de transmissão comunitária no Brasil, têm sido recomendadas pelo Ministério da Saúde, e acolhido por diversos governos estaduais, medidas de isolamento e distanciamento social a fim de reduzir o risco da contaminação e prolongar a capacidade de ação do sistema nacional de saúde e de seus profissionais. As medidas de segurança têm sido atualizadas, razão pela qual o presente documento deve ser acompanhado da atualização dos canais oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde (MS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como das decisões administrativas adotadas pelos órgãos locais.

Os impactos econômicos já verificados em razão das ações de enfrentamento da pandemia, bem como os impactos futuros, têm reflexos diretos no emprego, na renda das trabalhadoras e trabalhadores implicam sério risco de incremento de atos de hostilidade, constrangimento e humilhação, sem contar as irregularidades trabalhistas. A necessidade de adaptação da prestação de serviços às orientações das autoridades públicas, como também a redução temporária das atividades produtivas não essenciais, deve caminhar ao lado do reconhecimento da importância de uma cultura do trabalho baseada no respeito mútuo e na dignidade do ser humano.

Para tanto, devem ser observados os princípios constitucionais que regem a ordem econômica (art. 170, caput, CR), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observada a função social da propriedade (III), a defesa do meio ambiente (VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (VII), a busca do pleno emprego (VIII), com tratamento diferenciado e favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no pais (IX). 

Conforme a Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho – Decreto Legislativo n. º 2, de 17/03/1992 e Decreto n. º 1.254/84, o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam o ser humano e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho. A saúde psicossocial, portanto, é tutelada pelo ordenamento jurídico internacional e nacional, requerendo a adoção de medidas de prevenção e repressão à violência e ao assédio  (tais como, violência psicológica, física, sexual, afronta à integridade moral ou à dignidade) no ambiente de trabalho.

A violência e o assédio, segundo a Convenção n. 190 da OIT, aprovada na assembleia geral da 108ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho em 2019, designa um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de ameaças de tais comportamentos e práticas, seja quando eles se manifestam uma única vez ou de maneira repetida, que tenham por objeto, que causem ou sejam suscetíveis de causar, um dano físico, psicológico, sexual ou econômico; por sua vez, a violência e o assédio por razão de gênero designa a violência e o assédio que vão dirigidos contra as pessoas em razão de seu sexo ou gênero, ou que afetam de maneira desproporcionada a pessoas de um sexo ou gênero determinado e inclui o assédio sexual (art. 1º).  

A proteção contra a violência e assédio abrange a todas as pessoas do mundo do trabalho, empregados ou não, ou seja, qualquer que seja a sua situação contratual: as pessoas trabalhadoras em geral, estagiários, aprendizes e trabalhadores despedidos, voluntários, as pessoas que buscam emprego ou candidatos a emprego, as pessoas que exercem função de autoridade, funções ou as responsabilidades de um empregador (C. 190/OIT, art. 2º).  

Da mesma forma, é importante ressaltar que essa normativa considera a violência e assédio nos mais diversos espaços relacionados ao ambiente de trabalho, tais como: o lugar de trabalho (públicos ou privados), os locais em que se realizam pagamentos, repouso, refeitórios, sanitários, vestuários, os deslocamentos, espaços de formação, as comunicações relacionadas ao trabalho (incluídas aquelas difundidas por tecnologias da informação e comunicação), o alojamento e os trajetos da casa para o trabalho (C. 190/OIT, art. 3º). 

Reconhecendo que a violência e o assédio podem afetar grupos com maior vulnerabilidade, tais como mulheres, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência ou pessoas idosas, negras, migrantes, é indispensável a adoção de um enfoque inclusivo e integrado que leve em conta o gênero, identidade de gênero, orientação sexual, as barreiras sociais, a idade, raça e a origem, entre outras, em qualquer medida empresarial de contingenciamento e reorganização da mão de obra. Vale lembrar que a Convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ainda que não ratificada pelo Brasil, constitui marco normativo a ser utilizado como parâmetro para a interpretação legal e adoção de políticas pública ou decisões pelos poderes públicos em todas as suas instâncias para garantia a igualdade de oportunidades e de tratamento a trabalhadoras e trabalhadores com encargos familiares, integrando o conteúdo do princípio da igualdade e não discriminação previsto no art. 5º da Constituição da República. Em consequência, todas as empresas, empregadoras ou empregadores tem obrigação de adotar medidas necessárias para facilitar a compatibilidade da vida profissional e familiar em face das medidas adotadas pelos poderes públicos para a contenção da disseminação da doença COVID-19. 

Importa ainda não esquecer que a violência doméstica pode afetar o emprego, a produtividade assim como a segurança e saúde, principalmente, de trabalhadoras, e que os governos, as organizações de empregadores e profissionais e as instituições do mercado de trabalho podem contribuir para reconhecer, enfrentar e atuar contra o ciclo da violência doméstica. Nesses termos, vale lembrar que o art. 9º, parágrafo 2º, II, da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) assegura a manutenção da relação de trabalho pelo prazo de 6 meses quando necessário à vítima de violência doméstica o afastamento do trabalho, como medida protetiva. 

Por fim, vale lembrar a responsabilidade empresarial em não violar os direitos fundamentais de sua força de trabalho, de seus clientes e das comunidades, a qual requer a adoção de medidas de controle de riscos e de enfrentamento aos impactos adversos em direitos humanos decorrentes de atos ou decisões com as quais tenham algum envolvimento, bem como a obrigação das empresas de monitorar o respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva a ela vinculada, conforme as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, regulada no Decreto n. 9.571/2018. Assim, compete-lhe garantir condições decentes de trabalho, por meio ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, com acessibilidade, liberdade sindical, respeito à jornada de trabalho legal, aos direitos humanos, entre outros (artigos 6º e 7º, Decreto n. 9.571/2018). 

Nesse contexto de esforço coletivo em prol de toda a sociedade brasileira, o Ministério Público do Trabalho ressalta que a valorização do trabalho é um princípio fundamental da sociedade brasileira (art. 1º da Constituição da República), cuja continuidade e estabilidade na prestação de serviços são fatores indispensáveis à paz social. O trabalho é um determinante social que não pode ser esquecido (art. 3º da Lei n. 8.080/90) na aplicação das medidas governamentais e empresariais de contenção da disseminação da doença COVID-19, devendo, na medida do possível, serem adotadas ações que garantam a manutenção do vínculo de emprego a fim de evitar a desmobilização da mão de obra e favorecer o rápido restabelecimento do setor econômico.  

Ante o exposto, diante da necessidade da adoção de medidas coletivas de reorganização e contenção da disseminação do COVID-19 no ambiente de trabalho, bem como de cuidado com a saúde no mundo do trabalho, ORIENTA-SE A ATUAÇÃO DAS PROCURADORAS E PROCURADORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, em especial das Coordenadorias Regionais da COORDIGUALDADE e da CONALIS, da seguinte forma:

1. Recomendar às empresas, órgãos públicos, empregadores pessoas físicas, sindicatos patronais e profissionais, de todos os setores econômicos ou entidades sem fins lucrativos, que, nas ações, protocolos e diretrizes de contingenciamento ou reorganização da atividade produtiva, essenciais ou não, previnam a violência e assédio no ambiente de trabalho e o adoecimento mental de seus integrantes, adotando, dentre outros, os seguintes princípios: 

  1. RISCOS PSICOSSOCIAIS: considerar a violência e assédio, bem como os riscos psicossociais associados, na gestão das medidas de segurança e medicina do trabalho, adotando uma estratégia integral de prevenção e repressão a essa prática, inclusive com a aplicação de sanções; lembrando-se que o assédio sexual pode configurar crime nos termos do art. 216-A do Código Penal;
  • PREVENÇÃO E REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES AO TRABALHO:   
  • elaborar o plano de contingenciamento, medidas de distanciamento e isolamento social e a reorganização da prestação de serviços, inclusive quanto ao retorno ao trabalho, em conformidade com a orientação das autoridades públicas, preferencialmente em diálogo com o grupo de trabalhadoras e trabalhadores, comissões internas ou entidades representativas, independente da modalidade contratual em vigência entre as partes (contrato de trabalho a prazo indeterminado ou determinado, contrato intermitente, estágio, contrato de aprendizagem, terceirização, entre outros) ou momento contratual (seleção, pré-contratação, execução ou extinção contratual), observando as condições reguladas pelo contrato de trabalho e a jornada máxima legal;
  • afastar as pessoas do grupo de risco, gestantes, lactantes, pessoas com deficiência e pessoas acima de 60 anos, levando em conta igualmente a compatibilidade da vida familiar e profissional (Notas Técnicas/MPT 4 e 7/2020) e priorizando o atendimento aos grupos com maior vulnerabilidade social –  gênero, identidade de gênero, barreiras sociais, a idade, raça e a origem, entre outros -, àquelas pessoas que atendam familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade à infecção pelo COVID-19 ou que atuem em  obediência às demais orientações dos serviços de saúde;
  • considerar as orientações das autoridades públicas na implementação de medidas preventivas e de autocuidado para enfrentamento do COVID-19, adotando medidas, tais como: fretamento de transporte, oferta de alojamento para repouso em caso de jornada superior a oito horas diárias, locais arejados para descanso, alimentação, vestuário, bem como flexibilidade dos horários de entrada e saída das unidades de serviço a fim de evitar aglomerações;
  • estabelecer política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas, bem como orientar sobre as formas de prevenção, com observância da acessibilidade na comunicação e informação para as pessoas com deficiência.
  • garantirque as pessoas trabalhadoras, estagiários, aprendizes, voluntários, entre outros, recebam treinamento para utilização de EPIs, com observância da acessibilidade na comunicação para as pessoas com deficiência;
  • manter informação clara, precisa e visível aos clientes e fornecedores sobre as medidas e protocolos que são utilizados para prevenir a contaminação do COVID-19 dentro do ambiente de trabalho, incentivando-os aos cuidados relacionados à higienização e distanciamento social;   
  • comunicarempresas prestadoras de serviços terceirizados quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para a proteção da saúde de trabalhadoras e trabalhadores em face do COVID-19 e da obrigação de notificação da empresa contratante quando do diagnóstico de trabalhador ou trabalhadora por COVID-19 que tenha trabalhado dentro das dependências da contratante;

C. DIÁLOGO SOCIAL (Nota Técnica/MPT 06/2020): 

  1. adotar os planos de contingenciamento, medidas de afastamento, suspensão ou de garantia de emprego e renda por meio de negociação coletiva com a representação profissional; 
  2. adotargrupos de deliberação ou comitês de crise (Nota Técnica/MPT 06/2020) composto por representantes de trabalhadoras e trabalhadores e administração, que reúna as informações dos casos de contaminação individual e principalmente os casos fatais, para que identifiquem os pontos críticos de contaminação, bem como analisem de forma permanente a estratégia de enfrentamento ao COVID-19 no desenvolvimento das atividades produtivas; 
  • EQUIDADE DE TRATAMENTO: observar equilíbrio/equivalência das medidas para o conjunto dos trabalhadores (diretoria, gerência e pessoas trabalhadoras subordinadas: empregados, estagiários, terceirizados, aprendizes, entre os outros), mantendo-se a mesma proporção – com  possibilidade de redução escalonada do percentual em favor dos grupos de menor remuneração – ,  em caso de redução salarial em todos os níveis, inclusive com repercussão dos dividendos, honorários, de acordo com os artigos 5º, I, 7º, XXX, XXXI, XXXII, XXXIV, a Constituição da República.
  • TRANSPARÊNCIA E DIREITO DE INFORMAÇÃO
  • construir critérios claros e objetivos para a adoção das medidas de reorganização, contingenciamento, suspensão do trabalho e medidas afins, principalmente na seleção do grupo de trabalhadoras e trabalhadores diretamente afetados; 
  • garantir o direito de informação por escrito, em meio digital ou analógico, de todas as pessoas em atuação no mundo do trabalho (pessoas trabalhadoras, empregadas, estagiárias, aprendizes, terceirizadas, por meio de ampla divulgação de normas, ações, planos de contingenciamento, deliberações relacionadas ao uso de Equipamentos de Proteção Individual e Coletiva, home office, licenças, entre outros, protocolos de prevenção, de identificação dos casos de suspeita ou de contaminação (Notas Técnicas/MPT 01 e 02/2020) sejam elaboradas de forma clara e precisa, identificando um setor ou pessoa(s) responsável(is) por esclarecimentos ou encaminhamento de denúncias de descumprimento das normas, de modo acessível para a pessoa com deficiência; 
  • informar amplamente ao grupo de trabalhadores sobre a possibilidade de justificar a ausência ao serviço por meio da autodeclaração dos sintomas do COVID-19 ou de atestado familiar (Portaria MS nº 454, de 20 de março de 2020, artigo 3º, parágrafo 1º: o atestado emitido pelo profissional médico que determina a medida de isolamento será estendido às pessoas que residam no mesmo endereço, para todos os fins, incluindo o disposto no parágrafo terceiro do artigo terceiro da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020), contribuindo para evitar a sobrecarga e saturação do sistema de saúde;
  • estipular prazos razoáveis para manifestação dos interessados, sempre cuidando para que as normas sejam claras, precisas e acessíveis às pessoas com deficiência.

F. PROTEÇÃO DO TRABALHO:

  1. as ausências ao trabalho ou a adaptação da prestação de serviços por parte de trabalhadoras e trabalhadores não poderão ser considerados como justa motivação para sanção disciplinar ou para o término de uma relação de emprego, podendo a dispensa ou sanção configurar ato discriminatório, nos termos do artigo 373-A, II e III, da CLT, artigo 4º da lei n. 9.029/95.
  2. no retorno ao trabalho deverão ser asseguradas todas as vantagens à trabalhadora ou trabalhador, aprendizes, estagiários, que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria (art. 471, CLT).  

G. PRESERVAÇÃO DO PODER AQUISITIVO:  

  1. adotar, preferencialmente, mediante prévia negociação coletiva, medidas que preservem a remuneração das pessoas trabalhadoras, reduzindo ao máximo o impacto econômico, desde que comprovado o impacto negativo na atividade empresarial (art. 501, parágrafo 2º, CLT), observando-se as condições de trabalho, nos termos do artigo 7º, IV, VI, VII, IX, XXIII, XXX, XXXI, XXXII, parágrafo único, a Constituição da República;
  2. considerar como falta justificada, as medidas de isolamento, quarentena ou determinação compulsória de realização de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos diante de casos de suspeita ou contaminação comprovada de trabalhadores, nos termos da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, artigo 3º, § 3º;

H. ADAPTAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO:  

  1. adequar as jornadas de trabalho e metas de produção, levando em conta a demanda atual, as dificuldades técnicas dos trabalhos remotos e a necessidade de compatibilizar a vida profissional e familiar das trabalhadoras e trabalhadores, evitando a sobrecarga de trabalho ou jornadas extraordinárias (Notas Técnicas/MPT 3 e 4/2020);
  2. assegurar o direito à desconexão das pessoas que trabalham na modalidade remota ou home office, durante as medidas de enfrentamento ao COVID-19, respeitando as normas contratuais e legais relacionadas à jornada de trabalho;
  3. informar previamente e por escrito os direitos e deveres dos trabalhadores que realizam a atividade no modelo do teletrabalho, home office, firmando contrato de trabalho nos termos dos artigos 75-A a 75-E da CLT.    
  1. VIOLENCIA DOMÉSTICA: orientarquando identificar sinais de violência doméstica em alguém de seu grupo de trabalho, sobre os serviços públicos de enfrentamento à violência doméstica (disque 180, Defensoria Pública, Casa da Mulher Brasileira, Delegacia da Mulher), a fim de que a vítima possa adotar medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), assegurando, quando necessário, o afastamento do ambiente de trabalho pelo prazo de 6 meses, com garantia da manutenção da relação de trabalho (art. 9º, paragrafo 2º, II, da Lei n. 11.340/2006).  
  • ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA: disponibilizar ou indicar serviços de assistência psicológica para as trabalhadoras e trabalhadores, mediante solicitação da trabalhadora ou trabalhador interessado ou constatação de risco à saúde mental, em decorrência das atividades ou local da prestação de serviços. 
  • RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL: a inobservância das diretrizes de A a J pode estimular a insegurança e hostilidade no ambiente de trabalho, podendo configurar ato de violência e assédio passível de responsabilização trabalhista, civil, nos termos do art. 5º, X, CRFB, artigo 927 do Código Civil.

2. Aproximar-se, na condição de órgão articulador, das autoridades públicas locais, universidades, serviços de saúde, para que, na organização dos serviços públicos essenciais e medidas de enfrentamento ao COVID-19 adotem as seguintes medidas: 

  1. ZELAR pelo respeito, promoção e efetivação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, buscando a proteção às trabalhadoras e trabalhadores informais, a eliminação de todas as formas de trabalho em condições análogas a escravo, a abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, estimulando a ação dialogada com entidades sindicais ou representação dos trabalhadores, como meio de fomento do trabalho decente e seguro;
  2. ZELAR para que a inspeção do trabalho e outras autoridades pertinentes atuem nos casos de violência e assédio no mundo do trabalho, incluindo a elaboração de diretrizes, que requeiram a adoção de medidas efetivas que imponham parâmetros mínimos para o respeito aos direitos fundamentais ou a interrupção da atividade produtiva em caso de perigo iminente para a vida, a saúde ou a segurança das trabalhadoras e trabalhadores;
  • ESTIMULAR E DIFUNDIR amplamente serviços públicos e voluntários de assistência psicológica para as trabalhadoras e trabalhadores, composto, preferencialmente, por equipe multidisciplinar, a ser disponibilizado a custo acessível ou gratuitamente, para situações de risco psicossocial à risco à saúde mental, em decorrência das atividades ou local da prestação de serviços.
  • OFICIAR o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e o Ministério Público Federal com o intuito de informar sobre os casos em que os dirigentes de empresas privadas tenham sido condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil e trabalho escravo a fim de obstar a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos, de acordo com o art. 4º da Lei n. 11.948/2009, entre outras medidas cabíveis. 

Feitas essas considerações, o Procurador-Geral do Trabalho, a COORDIGUALDADE e a CONALIS, no âmbito de suas atribuições, orientam as procuradoras e procuradores do Ministério Público do Trabalho a acolher as sugestões supra elencadas, sem prejuízo de outras medidas pertinentes à espécie, de acordo com o caso concreto, como forma de atuação resolutiva deste parquet a contribuir decisivamente nos esforços de todos os órgãos vocacionados à contenção da disseminação do COVID-19. 

Brasilia-DF, 15 de abril de 2020.

ALBERTO BASTOS BALAZEIRO 

Procurador-Geral do Trabalho 

ADRIANE REIS DE ARAUJO 

Coordenadora Nacional 

da Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades  e Eliminação da Discriminação no Trabalho 

ANA LUCIA STUMPF GONZALEZ 

Vice Coordenadora Nacional da 

Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades  e Eliminação da Discriminação no Trabalho

RONALDO LIMA DOS SANTOS 

Coordenador Nacional da

Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical – 

CAROLINA PEREIRA MERCANTE 

Vice-Coordenadora Nacional da  Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical – CONALIS