O programa do governo que permite redução de jornada e remuneração ou suspensão temporária do contrato está de acordo com princípios constitucionais ao assegurar uma renda ao trabalhador num momento de crise, avalia a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ela diz que compartilha da visão de que a medida, que inclui o pagamento de um benefício equivalente a uma parte do seguro-desemprego pelo governo, é uma alternativa à demissão. “O princípio da dignidade da pessoa humana está, a meu ver, absolutamente atendido”, afirma.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Como a sra. analisa as medidas do governo?
Eu compartilho da doutrina que identifica na medida provisória uma alternativa para a própria rescisão. Estamos vivendo um momento de exceção, em que a preservação do salário é o mais importante. Quem não tem emprego está excluído da renda, do consumo, da sociedade. Então o princípio da dignidade da pessoa humana está, a meu ver, absolutamente atendido nessas providências que objetivam manter a inclusão social.
Há uma ação no STF questionando se a MP viola ou não a Constituição…
Não se trata de ir contra a Constituição ou de se estabelecer uma exceção. No caso concreto, não se estabeleceu uma redução isolada do salário ou uma redução isolada da jornada. Manteve-se o valor do salário-hora inalterado e se possibilitou ao trabalhador aderir a um benefício social que vai preservar a remuneração num momento de crise. Então não se trata de redução de salário ou de redução de jornada de forma autônoma.
Como as ações relações de trabalho vão sobreviver a esse cenário excepcional?
As respostas não são fáceis. Quais providências estão sendo tomadas? A edição de uma legislação específica ou excepcional que reconhece este estado de emergência e calamidade pública, e temos as medidas provisórias que se sucederam e que buscam equacionar, disciplinar as questões que surgiram com a pandemia. E veja, estas normas excepcionais não estão restritas ao direito do trabalho. Temos a esfera do direito civil, direito de ir e vir. Você imagina que é um direito constitucional, mas eu tenho que ficar isolada. É uma política pública que eu devo observar.
Empresas estão adotando o teletrabalho, que tem regras mais flexíveis de controle de jornada, por exemplo. Como a sra. avalia essa modalidade?
O teletrabalho é uma forma de organização que garante, tanto para empregado quanto para empregador, maior flexibilidade quanto ao local da prestação do serviço e quanto ao horário. O maior beneficiário do teletrabalho é o empregado, nem é o empregador. Ele atende também aos interesses da sociedade, você diminui o trânsito, o deslocamento. Há vantagens para ambos, apesar de que doutrinariamente se identifica especialmente para o empregado, que pode inclusive acumular com outro tipo de trabalho, uma vez que ele não tem uma jornada fixa.
A sra. vê algum risco da utilização em massa desse tipo de contrato?
Estão estabelecidos mecanismos de segurança para que o empregado tenha em casa condições adequadas de trabalho que atendam aos requisitos da segurança. Tem de ter equipamentos, infraestrutura, até a cadeira, instrumentos tecnológicos de comunicação, físicos, iluminação. Em relação ao controle da jornada, isso vai depender do próprio trabalhador.
Não há então uma fragilização das condições de trabalho? É algo que depende só do trabalhador?
Não diria que depende só do trabalhador ou só da empresa. Porque, no que diz (respeito) ao empregado, ele precisa se policiar para estabelecer, também no teletrabalho, um ritmo racional. Isso é um exercício que ele vai fazer. Por parte da empresa, (o papel) está em exigir tarefas possíveis de serem feitas naquele período. Então, há um controle? Há. Sempre nós temos que ter controle. Podem não ser matemáticos, podem não ser por meio de uma assinatura ou de uma máquina que vai ver horário de saída e de entrada, mas nós temos como fazer esses controles.
Se o empregado amanhã perceber que as tarefas que lhe estão sendo exigidas estão além do horário normal de trabalho, que é de oito horas, mesmo não tendo controle específico, se estiver sendo excessivo, ele terá como opor resistência. A própria CLT diz, observam-se as horas legítimas do empregador, então esse sistema de controle é feito pelos contratantes. Eu posso trabalhar dentro do meu limite. Eu te digo que hoje eu estou trabalhando além dos meus limites, mas é um período excepcional, eu tenho uma responsabilidade como agente público, como presidente do Tribunal mais ainda.
Como a sra. vê o mercado de trabalho depois dessa crise?
Quando terminar a pandemia nós vamos viajar menos a trabalho provavelmente, vamos ter aula a distância, educação a distância já é uma realidade já bem sucedida, talvez seja mais usada. Então vejo como um mecanismo necessário aos tempos, não só de coronavírus, mas aos tempos contemporâneos permanentes de trabalho. Em qualquer circunstância, temos que observar os nossos limites, e eles são possíveis de ser observados se você impuser uma disciplina a si e ao empregador, se ele avançar.
As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.
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